quarta-feira, 17 de junho de 2015

MEMÓRIAS DE NILTO MACIEL [Webston Moura]

O leitor mais atento (e não precisa ser muito) percebe que esta secção de Kaya, a que denominamos “Voragens”, sugestão do amigo Dércio Braúna, é dedicada a resenhas de livros, embora seu sentido não seja propriamente o da resenha acadêmica, o que comportaria todo um rigor. Tratamos, aqui, bem mais das livres impressões que temos, com simplicidade e sem mais delongas. Ao leitor, ficam sugeridas as leituras que realizamos, nós, os editores de Kaya.

E eu não poderia, nesta edição, deixar de comentar, um pouco que fosse, sobre Nilto Maciel, que faleceu em maio de 2014. Vamos a dois de seus últimos livros: Como me tornei imortal, crônicas publicadas pelo Armazém da Cultura (2013) e sua autobiografia sui gêneris, Quintal dos dias (Bestiário, 2013). Um outro livro, Sôbolas manhãs, dele falarei em meu blog Arcanos Grávidos – poesia & outras águas. Mesmo que seja muito singela, esta fica sendo uma homenagem que presto a um camarada, escritor de muito afinco, alguém que dedicou a vida a esta tão difícil arte, a de escrever, ainda mais num país como o Brasil, onde os obstáculos são tantos.



COMO ME TORNEI IMORTAL


Como me tornei imortal (armazém da Cultura, 2013)


Trata-se de um volume de quase 150 páginas, onde o autor discorre, com liberdade, fluência e bom humor, sobre diversos escritores/poetas, amigos conseguidos ao longo do tempo. E não se imagine, por isso, um livro chato, como se fosse uma espécie de catálogo, mas, sim, recheado de histórias, detalhes até pessoais, embora não indiscretos. Como lhe era comum, há um ritmo rápido no discorrer sobre os fatos, mas sem a sensação de pressa. Literatura e vida, na abordagem de Nilto, formam uma costura que nos ajuda a ter um percurso sobre a produção e, ao menos um pouco, sobre quem são as figuras de quem ele fala, a começar por um breve relato de si mesmo e de sua introdução no mundo na literatura. Para não ter de citar todos os escritores e/ou poetas, elenco apenas alguns nomes: Moreira Campos; Francisco Carvalho; José Alcides Pinto; Pedro Salgueiro; Tércia Montenegro; Manuel Bulcão; Gilmar de Carvalho... E basta, pois que, aí, já há sugestão suficiente para a curiosidade do leitor realmente interessado. Sobre o porquê do título do livro ser este, é detalhe curioso, logo ao início, mas que não contarei, pois desejo ao futuro leitor a surpresa de o saber por si mesmo. Sobretudo, como em tudo o que de Nilto Maciel já li, destaco a paixão e a tenacidade presentes também neste livro e, em especial, o que, sem dúvida, do alto de sua dedicação à literatura e não apenas à sua literatura, ele fez, ao escolher historiar, digamos assim, esses outros todos, muitos (a maioria?) que não constam dos catálogos das grandes editoras brasileiras. Esta é a amorosa justiça feita em nome do amor à literatura e do zelo à amizade, mas sem entrar em rapapés de compadres, já que o autor não era disso. Aos que têm interesse específico (estudo e pesquisa), este livro é também muito recomendável, pois fornece um mosaico bem montado, apesar de não ser muito volumoso. Por fim, destaco a justiça que podemos (e devemos) fazer para com um brasileiro escritor que já não mais está (fisicamente) entre nós e que, por isso mesmo, já nos faz muita falta. Ler seus livros, sendo esta a maneira melhor de ainda tê-lo por perto, é o que nos resta. E que assim seja.

Serviço:
Como me tornei imortal
Nilto Maciel
Armazém da Cultura


.....................................


QUINTAL DOS DIAS


Quintal dos dias (Editora Bestiário, 2013)


Para quem deseja melhor conhecer o autor da obra e a maneira como trabalhou sua escrita, além de sua visão de mundo e, tal ao exposto em Como me tornei imortal, este Quintal dos dias será, com efeito, uma leitura muito prazerosa, tanto pela boa memória do autor quanto por detalhes curiosos acerca de fatos que não teríamos como saber se não fossem livros assim. Sobretudo, este livro não é um relato meramente cronológico, embora o percurso de tempo seja seguido. São relatos cheios de vida e imaginação, sem perder o bom senso. Em 196 páginas, uma síntese daquilo que Nilto foi, a inseparabilidade entre vida efetiva e literatura, as duas se interpenetrando. E não imaginemos um relato “sentimentalóide-saudosista”, que isto não é. O que encontramos é, também, mesmo que de modo muito pessoal (íntimo, como não deixaria de ser), uma leitura de como a escrita, o mundo dos livros e seus amantes, a literatura, enfim, tudo isso atravessou a vida do autor, sendo ele mesmo um que reuniu, durante sua estada entre nós, muitos artesãos desta lida, gente que se dedicou e continua se dedicando ao ofício e ao amor à leitura e à escrita. Autobiografia, pois, para falar de si e de seu percurso, talvez ninguém melhor que o próprio Nilto Maciel. O que gostei, em especial, foi o tom de conversa, amigável conversa que o leitor encontra do início ao fim. Aqui e ali, imagens, reproduções de fotos do arquivo pessoal do autor. Uma, muito comovente, já no início: Nilto ainda bebê, oito meses de idade, sentado numa cadeira, olhar atento e, suponho, calmo.

Quintal dos dias
Nilto Maciel
Editora Bestiário


.............................
# LEIA TAMBÉM:


Webston Moura é o editor dos blog Arcanos Grávidos, além de co-editor de Kaya [revista de atitudes literárias]. Cearense de Morada Nova, mora em Russas desde 1988. Por formação, é Tecnólogo de Frutos Tropicais. Poeta, é autor de Encontros Imprecisos: insinuações poéticas (Imprece, 2006). Com o poema "A pronúncia da minha língua pela tua flor" e o conto "A vida carpida entre os dentes" participou da revista PARA MAMÍFEROS (Fortaleza, Nº 3, Ano 3, 2011). Com o poema "Enquanto o muçambê delira a meus olhos" participou da Revista do Instituto Cultural do Oeste Potiguar - ICOP (Nº 16, setembro de 2012). Teve ainda poema publicado no projeto Trânsito de Leituras. Aprecia teatro, desenho, boa música, além de questões ligadas a temas como meio ambiente, sustentabilidade, dentre outros. Colaborou tecnicamente com o blog Literatura sem fronteiras.

Postagem em destaque

INSINUAÇÃO [Webston Moura]

Tempus fugit. (Acrílico sobre lienzo. 1992) - Ángel Hernansáez Boa ventura – Abrir a carta, de pouco em pouco, que seu engenho ...